Vida em Marte ?


1. Introdução

Marte sempre exerceu um fascínio no ser humano. Prova disso foi a reação do público à histórica transmissão de A Guerra dos Mundos (de H. G. Wells), feita por Orson Welles em 1938. Mas seria possível haver vida em Marte? Ou estaria esta possibilidade totalmente descartada?
Antes de mais nada é bom dizer que não estamos falando de “homenzinhos verdes” (da ficção científica); nem de “monstros gelatinosos” (de A Guerra dos Mundos), que estariam prestes a nos invadir; nem de Marvin Marciano (da Disney); nem muito menos de uma civilização que viveria no subsolo marciano (da ufologia). Não. Estamos falando de vida microscópica, algo como bactérias, fungos, micróbios ou, quem sabe, até pequenos vermes.
Mas, antes, é interessante darmos uma revisitada no histórico da busca por vida em Marte.

2. Histórico

A discussão sobre a vida em Marte vem de longe, desde o século IXX, quando alguns “astrônomos” olhavam para Marte e viam não canais naturais, mas canais artificiais, criados por alguma civilização marciana, sobre a qual esses “astrônomos” especulavam.
Isto inspirou escritores como H. G. Wells a escreverem verdadeiras obras primas como A Guerra dos Mundos, entre outros livros. Mas isso tudo foi por terra quando as primeiras fotos de Marte foram tiradas pela sonda Mariner 4


Contudo, uma nova controvérsia nasceu em julho de 1976, com uma das fotos tiradas pela sonda Viking 1 Orbiter. Nessa imagem em particular havia o que se parecia muito com uma face humana, que ficou conhecida como A Face de Marte. O que foi entendido por muitos como uma estrutura artificial, algo que teria sido construído por alguma civilização extraterrestre, que teria vivido em Marte, ou que teria passado por ali. Algo como a Esfinge, do Egito.


Novas fotos foram tiradas posteriormente, comprovando que aquela figura não passava de pareidolia. Em outras palavras, era apenas um monte comum que, devido à iluminação do sol no momento da imagem, assim como à baixa resolução da mesma, acabou ficando com a aparência de uma face humana. Ainda assim, a controvérsia ainda não acabou. Talvez só acabe quando uma foto colorida e de alta resolução for tirada desta formação, ou talvez nem assim. Abaixo segue uma comparação entre as fotos de 1976 (tirada pela Viking 1 Orbiter), de 1998 (tirada pela Mars Global Surveyor  - MGS) e de 2001 (também pela Mars Global Surveyor).


Imagems de Cydonia capturadas por: Viking 1 em 1976 - MGS em 1998 - MGS em 2001

A Viking 1 Lander se separou da Orbiter e pousou em solo Marciano em 20 de julho de 1976, enquanto que a Viking 2 Lander se separou da Orbiter e pousou em solo Marciano em 3 de setembro de 1976.


Cada uma das sondas Viking Lander realizaram experimentos utilizando câmeras, um cromatógrafo gasoso com espectrômetro de massas e um conjunto de instrumentos de biologia capaz de detectar indícios de vida no solo marciano. Estado da arte em sua época, o pacote experimental de biologia continha instrumentos que procuraram no solo marciano por evidências de processos metabólicos, como os encontrados em bactérias, plantas e animais na Terra.

4 (Quatro) experimentos foram realizados pelas Vikings. Dois destes experimentos (Gas Chromatograph — Mass Spectrometer e Gas Exchange) deram resultado negativo. O terceiro, Labeled Release, para o espanto de todos, deu resultado positivo. O quarto, Pyrolytic Release, negativo novamente.
Contudo, como nenhuma evidência de composto orgânico foi encontrada no solo marciano no primeiro teste (Gas Chromatograph — Mass Spectrometer), a comunidade científica em geral concluiu que o resultado positivo do terceiro teste deve-se aprocessos puramente químicos. O que, segundo o cientista do projeto Viking Dr. Gerald Soffen, “não prova que não há vida em Marte. Isto simplesmente diz que, nos dois lugares distintos do planeta que desembarcamos, provavelmente não há organismos vivos.”
Após isto, várias outras missões foram lançadas a Marte, cada uma com sua importância e descobertas, mas nenhuma conseguiu encontrar sinais de vida. Uma mudança nesse quadro só veio a acontecer com a sonda Phoenix, lançada em 4 de agosto de 2007, tendo pousado em Marte em 25 de maio de 2008. Outras mudanças vieram com o robô Spirit, lançado em 10 de junho de 2003, tendo pousado em Marte em 4 de janeiro de 2004.

3. As Descobertas da Sonda Phoenix


A sonda Phoenix fez várias descobertas, entre elas estão o fato de nevar no planeta vermelho e de seu solo conter um sal chamado perclorato .
A descoberta do perclorato foi uma surpresa, sem dúvida alguma. Inicialmente, a NASA não tomou uma posição clara sobre se isto seria uma boa ou uma má notícia para a vida em Marte. “Encontrar perclorato não é bom nem ruim para a vida, mas nos faz repensar a forma como pensamos sobre vida em Marte”, disse Michael Hecht, do Laboratório de Propulsão a Jato da NASA, cientista líder para Microscopia, Eletroquímica e Analisador de Condutividade (MECA, sigla em inglês), o instrumento que inclui o laboratório de química úmida da Phoenix.
Ao mesmo tempo, já se especulava que a presença deste sal seria um impecílio para a vida em Marte. Conforme o site da CNN, “As novas descobertas da Phoenix coloca mais dúvidas sobre a possibilidade de que exista vida na superfície de Marte. Mas eles não descartam a possibilidade de que a vida tenha existido, nem exclui necessariamente a possibilidade de que a vida exista hoje, talvez em aquíferos subterrâneos profundos.”
Contudo, uma descoberta feita no deserto do Atacama, Chile, que é um dos pontos mais secos do planeta, resolveu este problema. Cientistas encontraram micróbios vivendo em depósitos de nitratos em associação com percloratos, como pode ser lido aqui. Assim, agora sabemos que os micróbios podem sobreviver felizes em condições oxidantes.
E adivinhem? De novo, uma nova controvérsia nasce, novamente devido ao perclorato. Agora, segundo este artigo da NewScientist, em vez de identificar os elementos químicos que poderiam apontar para a vida, os robôs exploradores da NASApodem tê-los queimado por engano.
E segundo o artigo científico “Combustion Of Organic Molecules By The Thermal Decomposition Of Perchlorate Salts: Implications For Organics At The Mars Phoenix Scout Landing Site”, que pode ser encontrado aqui:
Implicações para Marte.
A presença de um oxidante forte (isto é, sal de perclorato) no solo no local da aterrissagem da Phoenix provavelmente queimou materiais orgânicos durante a pirólise executada pelo TEGA. Portanto, é altamente provável que nenhum fragmento orgânico fosse detectado pelo TEGA, a não ser que estivessem presentes em concentrações que pudessem superar o oxidante. Nenhum fragmento orgânico foi detectado pelo TEGA, apesar de que os espectros de massa ainda estão sendo calibrados e analisados pela equipe científica da Phoenix, para possíveis fragmentos orgânicos. Estamos neste momento analisando os resultados da análise térmica para as amostras de solo da Phoenix, em busca de picos exotérmicos na região 300 a 500°C.
Os instrumentos da Viking GC/MS não detectaram moléculas orgânicas até ao nível de partes por bilhão. Materiais orgânicos (se existirem) nos locais da Viking, podem ter sido queimados pela decomposição térmica de sais de perclorato, se os sais de perclorato forem mais generalizados no solo marciano, e não apenas no local da aterrissagem da Phoenix.
Resumindo: o artigo da NewScientist parece estar correto. É verdade que não há como saber se havia vida (ou mesmo material orgânico) nos locais examinados pela Viking Lander, mas poderia haver sim, desde que em menores concentrações do que de perclorato. Lembrando que o perclorato é muito utilizado como combustível de foguetes.

4. As Descobertas do Robô Spirit


O robô Spirit está preso no deserto marciano, numa região chamada de Tróia, nome dado em homenagem à lendária cidade grega, desde abril de 2009. Contudo, em junho do mesmo ano ele atolou de vez.
Apesar de parecer algo péssimo, isto na realidade permitiu ao Spirit fazer uma das maiores descobertas em Marte. Com as repetidas tentativas de se liberar, tudo o que o Spirit conseguiu foi revirar o solo, descobrindo sulfatos que estavam enterrados. Este é um material extremamente fino, contudo o topo desse material é duro.
Isto fez os cientistas pensarem o seguinte: Quando um pólo marciano fica apontado para o sol no verão marciano, ele fica mais quente nesse pólo e o gelo de água muda para o equador. Ainda neva lá! Solo escuro e quente sob a neve faz com que a camada inferior da neve derreta. A água escorre para os sulfatos, dissolvendo os sulfatos de ferro que são solúveis em água, formando uma crosta com o sulfato de cálcio remanescente.
Ou seja, por estar preso, em Tróia, o Spirit tem sido capaz de nos ensinar sobre o moderno ciclo da água em Marte.
Isso nos faz pensar em outro tipo de vida, que poderia existir no planeta vermelho: algo como os microorganismos encontrados nos Vales Secos da Antártida. A possibilidade é real, só precisamos analisar o solo marciano com mais cuidado e, talvez, com um belo microscópio.

5. Meteorito ALH84001



meteoro ALH84001 foi encontrado em 27 de dezembro de 1984, na região chamada Allan Hills, na Antártida. Em 1996 a NASA anunciou ter encontrado evidências nele, de que teria existido vida primitiva na Marte antiga.
O anúncio da possível vida extraterrestre causou controvérsia na época e abriu interesse na exploração de Marte. Quando a descoberta foi anunciada, muitos imediatamente conjecturaram que os fósseis foram a primeira evidência real de vida extraterrestre – fazendo com que manchetes pipocassem por todo o mundo, e levando até mesmo o presidente dos E.U. A., Bill Clinton, a fazer um anúncio formal, televisionado, para marcar o evento.
Após isto vários estudos foram publicado, parte apoiando a hipótese de origem orgânica, parte indicando outras hipóteses, não orgânicas, para a formação daquilo que foi encontrado no meteoro. Estas outras hipóteses variam de contaminação terrestre, a origem puramente geológica.
E a controvérsia continua ainda hoje. Em novembro de 2009 um novo artigo foi publicado, afirmando que a vida continua a ser a explicação mais plausível para os materiais e estruturas encontradas no meteorito. Uma matéria sobre este tema também foipublicada aqui.

6. Conclusões

Antes de mais nada, é bom que se diga que a ciência não é algo rígido, imutável. Ao contrário, a ciência é um processo, do qual o conhecimento se forma. Assim, não há problemas caso erros sejam cometidos, pois, afinal, cedo ou tarde eles serão corrigidos. Isso acontece na astronomia, na astrobiologia, na física, na geologia, etc.
Quanto a Marte, cada vez que avançamos no estudo deste planeta vermelho, temos novas surpresas. Com tudo isso pode parecer que, quanto mais o estudamos, menos sabemos dele, mas não é verdade. Realmente ainda não sabemos se Marte tem vida, verdade, mas já sabemos que essa possibilidade existe e mais que isso: já sabemos de um ótimo local onde procurar por ela: nos acúmulos de perclorato. Além disso, a descoberta do ciclo das águas de Marte, feita pelo robô Spirit, abre ainda mais possibilidades. Assim, podem existir micróbios vivendo também na região de Tróia.
Isto tudo sem falar da descoberta de que há gás metano na atmosfera marciana. Esta descoberta foi feita a partir de observações feitas com dois telescópios, ambos instalados em Mauna Kea, Havaí. A importância desta descoberta é que ela indica que Marte é biologicamente ou geologicamente ativo. Mais sobre esta descoberta também pode ser lido aqui.
Assim, tudo o que temos de fazer é esperar que novas tecnologias sejam criadas pela NASA ou pela ESA (ou ambas), para que sejam lançadas novas sondas à Marte para que, quem sabe, sinais de vida sejam finalmente detectados no planeta vermelho.
Já quanto ao meteoro ALH84001, em minha opinião, dificilmente um consenso será formado, ao menos não antes de, de fato, serem detectadas evidências de vida em Marte, seja ela antiga ou presente.

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