Geadas Devastadoras no Verão

A reação climática à fumaça foi surpreendente. A luz solar diminuiu imediatamente e mergulhou o planeta em temperaturas muito inferiores a qualquer episódio registrado nos últimos mil anos. O resfriamento médio, cerca de 1,25ºC, durou vários anos e, uma década depois, a temperatura ainda estava 0,5ºC mais baixa que a normal. Os modelos também indicaram uma redução de 10% nos índices pluviométricos ao redor do mundo. Chuvas, cursos d’água e umidade do solo diminuíram porque o bloqueio da luz solar reduz a evaporação e enfraquece o ciclo hidrológico. As áreas de secas concentraram-se em grande parte nas latitudes mais baixas, pois o clima frio retardaria o padrão Hardley de circulação do ar nos trópicos, responsável por uma grande parcela das precipitações na Terra. Em regiões críticas, como as que recebem as chuvas de monções asiáticas, ocorreria uma redução de até 40%.

Esse resfriamento pode não parecer muito, mas até uma pequena redução da temperatura acarretaria graves consequências. Um clima mais rigoroso e menos luz solar, por exemplo, abreviariam os ciclos de crescimento das plantas em latitudes médias. Análises de maciças erupções vulcânicas também proporcionaram uma compreensão melhor de seus efeitos. De tempos em tempos, esses episódios violentos provocam uma queda de temperatura temporária, de um a dois anos. A mais intensa erupção dos últimos 500 anos ocorreu em 1815, no monte Tambora, na Indonésia. Na ocasião, o Sol foi eclipsado e o planeta resfriou cerca de 0,5ºC durante um ano – 1816 ficou conhecido como “o ano sem verão” ou “mil e oitocentos e morra congelado”. Embora a temperatura média de verão, na Nova Inglaterra, fosse apenas alguns graus mais baixa, a região foi castigada todos os meses por geadas devastadoras. Após o primeiro congelamento, os agricultores replantaram as lavouras, só para vê-las destruídas pela frente fria seguinte. Os preços dos cereais dispararam e os do gado despencaram, à medida que os fazendeiros vendiam os animais que não conseguiam alimentar. Houve uma migração em massa da Nova Inglaterra para o Centro-Oeste, impulsionada por boatos sobre a existência de terras férteis na região. Na Europa, o clima era tão frio e sombrio que o mercado de ações entrou em colapso. Ocorreram vastas epidemias de fome e Mary Shelley, de 18 anos, foi inspirada a escrever Frankenstein.

Certas variedades de sementes, como o trigo de inverno, resistem a temperaturas mais baixas, mas a ausência de luz solar inibe sua capacidade de desenvolvimento. Em nosso cenário, a luz do Sol passaria pela elevada camada de névoa enfumaçada, mas na superfície terrestre todos os dias pareceriam estar completamente encobertos. Agrônomos e fazendeiros não poderiam produzir as sementes necessárias, nem ajustar as práticas agrícolas às condições radicalmente diferentes, a não ser que soubessem com antecedência o que esperar.

Além do resfriamento, ressecamento e da escuridão, haveria uma extensa redução da camada de ozônio, à medida que a fumaça esquentasse a estratosfera, pois as reações que criam e destroem a ozonosfera dependem da temperatura. Michael J. Mills, da University of Colorado, em Boulder, trabalhou com um modelo climático completamente independente do de Robock e obteve resultados similares para a elevação da fumaça e as mudanças de temperatura estratosféricas. Mills concluiu que, embora a superfície terrestre resfriasse ligeiramente, a estratosfera seria aquecida em mais de 50ºC por que as partículas negras de fumaça absorvem luz solar. Esse aquecimento, por sua vez, modificaria os ventos na estratosfera, podendo levar óxidos de nitrogênio, destruidores de ozônio, até os limites superiores da camada. Juntos, as temperaturas elevadas e os óxidos de nitrogênio reduziriam a ozonosfera aos mesmos níveis perigosos que registramos hoje, todas as primaveras, embaixo do buraco de ozônio sobre a Antártida. Consequentemente, a radiação ultravioleta na superfície terrestre aumentaria significativamente.

Menos luz solar, índices pluviométricos baixos, frentes frias, ciclos de cultivo mais curtos e mais radiação ultravioleta limitariam ou eliminariam a produção agrícola. O resfriamento e a perda de ozônio seriam particularmente acentuados nas latitudes médias e altas nos dois hemisférios, enquanto o declínio de chuvas atingiria principalmente os trópicos.


Os danos específicos infligidos por cada uma dessas alterações ambientais dependeriam exclusivamente dos tipos de culturas e solos, das práticas agrícolas e dos padrões climáticos regionais. E nenhum pesquisador concluiu uma análise detalhada desses efeitos. Até em épocas normais a capacidade de alimentar a crescente população humana depende da transferência de alimentos por todo o globo para contrabalançar deficiências produtivas regionais, resultantes de secas e alterações climáticas sazonais. A quantidade total de cereais armazenada hoje no planeta alimentaria a população terrestre durante apenas cerca de dois meses (ver “Escassez de alimentos e ameaças à civilização”, Lester Brown, em Scientific American Brasil, edição 85, junho de 2009). Como a maioria das cidades e países só dispõe de estoques limitados a períodos muito curtos, a escassez de mantimentos (bem como o aumento dos preços) intensificou-se nos últimos anos. Uma guerra nuclear poderia desencadear quebras de produtividade quase simultâneas em todo o planeta e o pânico mundial possivelmente paralisaria o sistema global de comércio agrícola, acarretando uma severa carência em muitos lugares. Cerca de 1 bilhão de pessoas, que hoje sobrevivem com uma alimentação marginal, estariam ameaçadas diretamente de morrer de inanição no caso de uma conflagração indo-paquistanesa, ou entre outras potências atômicas.

Modelos Independentes
Em geral, cientistas testam modelos e teorias por meio de experimentos, mas nesse caso isso é obviamente impossível. Portanto, procuramos análogos que possam verificar nossas projeções.

Cidades incendiadas – Infelizmente, tempestades de fogo criadas por intensas liberações de energia já ejetaram vastas quantidades de fumaça na atmosfera superior. São Francisco ardeu em chamas em razão do terremoto de 1906 e, durante a 2a Guerra Mundial, cidades inteiras foram incineradas, inclusive Dresden, Hamburgo, Tóquio, Hiroxima e Nagasaki. Esses acontecimentos confirmam que a fumaça de intensas combustões urbanas sobe até a atmosfera superior.


O ciclo sazonal – No inverno, o clima é mais frio por que os dias são mais curtos e a luz solar, menos intensa. A simples mudança sazonal nos ajuda a quantificar os efeitos dessa redução.

Nossos modelos climáticos recriam bem o ciclo das estações e confirmam que eles refletem adequadamente as mudanças de intensidade da luz solar.

Erupções – Atividades vulcânicas explosivas, como a do Tambora, em 1815, do Krakatoa, em 1883, e do Pinatubo, em 1991, nos ensinam muita coisa. Ventos espalharam ao redor do globo as nuvens de aerossóis de sulfato que se formaram na estratosfera. Após cada erupção, a temperatura superficial despencou proporcionalmente à densidade das nuvens de partículas.

Depois da erupção do Pinatubo, a temperatura média da superfície terrestre caiu cerca de 0,25ºC. O índice pluviométrico global, os cursos d’água e a umidade dos solos minguaram em escala planetária. Nossos modelos reproduzem esses efeitos.

Incêndios florestais – Ocasionalmente, a fumaça resultante de grandes incêndios florestais é injetada na troposfera e na estratosfera inferior. Ela é transportada por grandes distâncias e causa resfriamento. Nossas projeções também espelham essas consequências. Extinção dos dinossauros – Um asteroide se espatifou na península de Yucatán, no México, há 65 milhões de anos. A nuvem de poeira resultante do impacto misturou-se com a fumaça de incêndios, bloqueou o Sol e exterminou os dinossauros. Os efeitos podem ter sido exacerbados por um intenso e simultâneo vulcanismo na Índia. Esses fenômenos nos ensinam que grandes quantidades de aerossóis na atmosfera terrestre podem alterar o clima tão drasticamente a ponto de matar espécies robustas.

Utilizamos essas analogias no passado para testar e aprimorar nossos modelos, mas esperamos que mais pessoas realizem novos estudos. Modelos independentes, que verificassem ou contrariassem os nossos, seriam muito instrutivos. Estudos de impactos ambientais, que não realizamos, seriam particularmente bem-vindos.

Fonte: http://www.uol.com.br
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